15 de jun. de 2010

Eu... e mais 20 em Pedro II: a missão. Parte II

As narrativas de viagem às vezes são mais esclarecedoras que notícias e reportagens. Por isso, dessa vez é em forma de diário que você conhece um pouco mais sobre o Festival de Pedro II.

Dia 5 de maio: Sábado

Acho que não preciso dizer que acordei de ressaca mais uma vez (dessa vez sem a garrafa vazia, devo ter perdido em algum momento da noite). Com o agravante de que todos pareciam ter uma história sem noção do dia anterior pra contar ao meu respeito. Como já estou acostumado com isso, fiquei tranqüilo e me levantei para tomar banho e iniciar meu dia. A casa definitivamente estava dividida em 3 grupos, que eram exatamente os ocupantes dos 3 diferentes quartos do imóvel. Um deles resolveu ir para a famosa cachoeira nos arredores da cidade, outro, para o centro onde acontecia uma feirinha de produtos da terra. Como eu era o bêbado feliz da casa, recebi convite para os dois e me resolvi pelo centro. Mais light (lembrem que eu ainda estava meio virado).
Não demorou muito para eu descobrir que tinha tomado a decisão certa, ao chegar a Feira com o grupo me acompanhava, duas amigas e um amigo, o cenário era simplesmente perfeito: de longe fomos recebidos pela voz “marcante” do apresentador Mariano Marques, ao microfone, entrevistando as pessoas mais aleatórias possíveis com seu jeito peculiar. “Vou dar um beijo no “imbigo” dela hein prefeito, OHOHOHOH”, escutei em certo momento sem jamais descobrir de quem era aquela barriguinha sortuda. Isso tudo ao som de um senhor tocando num daqueles teclados Cássio já amarelados, apoiado por uma caixa de madeira na vertical, bem no meio da praça. (sim, não é brincadeira, eu realmente me apaixono por esses quadros populares).
Caminhamos por todas as barraquinhas, e era realmente possível encontrar coisas de qualidade por um preço baixo. “Nossa, como as coisas aqui são baratas, viva a não-inflação no interior do Piauí”, comentou uma das garotas. Nem eu, que normalmente sou meio pão duro para essas coisas resisti, e comprei uma pulseira de sementes. Já as moças que estavam conosco foram um pouco mais extravagantes, e não economizaram nos presentes para si próprias: uma comprou um pingente de opala, até barato, para o que eu imaginei, e outra saiu de lá com uma bolsa e uma carteira novas.
Depois de chocarmos algumas das famílias ao redor cantando funk e percebendo nossos bolsos bem mais leves em contradição com nossos braços, levando agora 150 reais em mercadorias, achamos que era hora de voltar e procurar algo para comer.
Já em casa novamente, não sei por que, ficamos surpresos ao constatar que só tínhamos macarrão instantâneo e salsichas para comer. “Isso que da ficar em uma casa onde ninguém tem mais de 25 anos”, brinquei. Comemos o que tinha mesmo, e apenas 30 minutos depois uma amiga retardatária de Teresina chegou para o terceiro dia de evento. Estávamos totalmente detonados, mas uma só pessoa com fôlego novo foi o suficiente para alguém ter a idéia de pegar o carro e ir até o posto de gasolina mais próximo comprar algumas cervejas. 
O resultado foi que passamos o restante da tarde tomando long necks no meio da rua sentados na calçada de um mercadinho, rindo alto e tocando violão. Toquei de tudo, de Los Hermanos a Aviões do Forró passando por Zezé de Camargo e Luciano. E as pessoas simplesmente começaram a sair de casa para assistir. De repente a rua inteira parecia estar sentada nas portas olhando para nós e batendo o pé ao som da música. Já disse que adoro as pessoas daqui?

Dia 5/6 de maio: A madrugada de sábado para domingo

À noite, mais uma vez, nos aprontamos todos para ir à praça, só que dessa vez conseguimos carona. Em Pedro II definitivamente não estava frio (fazia em média 30 graus pela manhã e 24 à noite), mas sem precisarmos caminhar por 20 minutos já era possível, ao menos, colocar uma blusa de manga longa. O que fez todos tirarem os casacos de “inverno” do armário
As atrações do dia eram especiais: talvez por encontro de agenda, um dos reis da guitarra brasileira Armandinho, e um dos maiores virtuoses do instrumento nos EUA Stanley Jordan, iam tocar no mesmo dia de Maria Rita. O par de instrumentistas foi o responsável por iniciar a noite.
Ok, nem de longe shows instrumentais parecem ter o mesmo apelo de um Zeca Baleiro, mas a habilidade e principalmente a interação e o sentimento que os dois músicos passavam ao público enquanto tocavam, era tão absurdos que foi difícil encontrar alguém que conseguisse descolar os olhos das estripulias que os dois faziam nas guitarras. Pareciam estar brincando, quando na verdade estavam fazendo todos sentirem, de forma profunda, o que só a música de qualidade pode trazer.
Antes do show de Maria Rita, que há muito tempo deixou de ser a “filha da Elis” (o que diminui meu banco de sinônimos, por sinal), César (fire) filho, subiu ao palco para denunciar a venda de mesas por parte dos quiosques durante o evento. “Vender mesas ou reservas durante o festival é terminantemente proibido, não caia nessa”, disse o apresentador. Pena que deixou a informação útil para o último dia de apresentações nacionais, quando dezenas de pessoas já haviam pago os famigerados 50 reais pelo conforto (ou não) de assistirem sentadas ao espetáculo.
Infelizmente ao contrário dos outros dias, o show mais esperado da noite frustrou a todos. Maria Rita estava linda, e com a voz em ótima forma, mas a má escolha do set list e, principalmente, a má qualidade do som, prejudicaram a performance da cantora. O resultado foi uma apresentação totalmente meia-boca, coroada pelo mau humor de quem havia perdido, àquelas alturas, 150 reais para se apertar em mesas de plástico durante os três dias anteriores. Uma das noites mais esperadas acabou por ser uma das mais apagadas.
Quando terminou o show, mais uma vez começou a procura por uma festa. Todos os dias havíamos feito algo em nossa casa, mas só nós mesmos, no máximo mais 5 ou 6 amigos de fora. Dessa vez resolvemos abrir e saímos chamando todo mundo. O resultado foi umas 40 pessoas a mais do que os 20 ocupantes normais, e uma casa praticamente inabitável de sujeira no dia seguinte.



Dia 6 de maio: domingo

Não vale a pena ganhar 1.500 reais em quatro dias pra sua casa ficar desse jeito”. Essa é a primeira frase que eu escuto ao acordar no nosso quarto e último dia de viagem. Tudo bem que nada havia sido quebrado ou queimado, mesmo assim, limpar sujeira dos outro ninguém merece. Sem falar que nossa raiva estava crescendo em progressão geométrica, a cada historia bizarra que escutávamos a respeito da nossa própria house party, depois que descobrimos que os nossos “convidados” simplesmente comeram todo o nosso estoque de talharim, o que basicamente significava nos jogar na inanição.
Se bem que, no final, nós nem tínhamos tanto tempo mesmo para comer, precisávamos arrumar as malas: metade da casa iria embora em um ônibus fretado com hora marcada para partir, e nós, os mesmos 5 da ida, ainda tínhamos na cabeça a idéia de ir conhecer pelo menos um dos pontos ecoturísticos da região e fazer algum programa em grupo que não envolvesse álcool. Até por que não agüentaríamos nem mais uma gota.
Por volta das duas da tarde todos estavam de malas prontas, e chegou a hora da despedida. Como todos moram em Teresina e no fim, eram, quase todos, semi-conhecidos de outras épocas, o tchau foi com gostinho de até breve. Descontadas algumas perguntas de “qual é seu nome mesmo?”, que foram escutadas durante a hora da partida, no final todos nos reunimos e tiramos uma foto típica daquelas de viagem, a única na qual estamos todos nós, e com direito ao grito coletivo de AEWWWWWW, depois que o nativo “x” incomodado por nós para tirar o retrato abaixou a câmera.
Após os últimos abraços partimos já de malas prontas para o morro do gritador, o caminho não é muito fácil, envolve muitas ladeiras e um bom trecho de piçarra, mas é difícil não abrir a boca ao chegar no mirante, a vista é simplesmente linda, e se perde no horizonte. É nessas horas que eu me questiono qual é a da secretaria de turismo nesse estado. Custava pavimentar o caminho para um lugar tão bonito como aquele, e que, todos já sabem, vai receber aquele volume de gente, naquela época, todos os anos?
Se ainda estivéssemos no tempo das máquinas de filme, com certeza teríamos acabado uns três, do tantas fotos que tiramos, quando estávamos satisfeitos, entramos no carro, e iniciamos o longo caminho de volta para Teresina. Só iniciamos, porque logo que olhamos para o relógio e vimos a hora (já passavam das 17:00) decidimos por dormir mais uma noite na serra, e só retornar na manhã de segunda.
Logo mais a noite retornamos a praça só para comer algo e ver o movimento (precisávamos descansar para a viagem de volta) e foi incrível ver a diferença de público para os outros dias, poucos circulavam pelo espaço anteriormente lotado, e os turistas, pela primeira vez, eram minoria. Aos primeiros acordes do cantor Roraima (independente do meu gosto pessoal, um músico competente) nos despedimos do local que nos trouxe tantas alegrias e (não) memórias.
A despedida da cidade foi meio triste, era impossível não relembrar um a um cada uma das situações engraçadas vividas por nós durante a viagem. “Pena que acabou”, falamos praticamente ao mesmo tempo... Ainda bem que 2011 é logo ali, e, esperamos todos, com mais festival de inverno.

Texto: Filipe Poty

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